A Páscoa é o centro da vida e da fé dos cristãos. Trata-se da passagem da morte para a vida, da ausência para a presença, do amor em plenitude.
Para nós
cristãos a celebração da “Páscoa” constitui-se num tríduo celebrativo, isto é,
a Páscoa “celebrada em três dias”. O tríduo se fundamenta na unidade do
mistério pascal de Jesus Cristo, compreendendo Sua Paixão, Morte e
Ressurreição. Segundo o Missal Romano, “o Tríduo Pascal começa com a Missa
vespertina da Ceia do Senhor, possui seu centro na Vigília Pascal e encerra-se
com as Vésperas do Domingo da Ressurreição” (N. 19). Deste modo, celebramos, de
quinta para sexta-feira, a “Paixão”; de sexta-feira para sábado, a “Morte”, e
de sábado para domingo a “Ressurreição”.
Hoje,
Quinta-feira Santa, na celebração da “Última Ceia”, Jesus revelou o seu “amor
em plenitude”, lavando os pés dos discípulos e repartindo com eles o pão. O
amor torna-se presente nas mãos que lava os pés e no pão que é repartido.
Estamos diante
de um Jesus que manifesta um gesto de serviço e profunda humildade. Mas,
sobretudo, é um gesto de verdadeiro amor: “Sabendo Jesus que chegava a hora de
passar deste mundo ao Pai, depois de ter amado os seus do mundo, amou-os até o
extremo”.
As mãos
simbolizam ação, dinamismo. Por meio das mãos recebemos e doamos. João afirma,
no Evangelho, que Jesus é consciente de que o Pai entregou em suas mãos o
verdadeiro amor e, antes de voltar ao Pai, precisa doar com suas próprias mãos
este amor aos seus discípulos: “…sabendo que o Pai havia posto tudo em suas
mãos, que tinha saído de Deus e voltava a Deus, se levanta da mesa, tira o
manto e, tomando uma toalha, cinge-a. A seguir, põe água numa bacia e começa a
lavar os pés dos discípulos e a secá-los com a toalha que tinha cingido” (Jo
13,3-5).
Analisando o
contexto histórico, constatamos que oferecer ao hóspede água para lavar os pés
da poeira do caminho era um gesto de cortesia muito comum. Normalmente, esse
gesto era feito por um servo ou por um discípulo dedicado ao seu mestre. Jesus
inverte os papéis e surpreende a todos. O mestre torna-se servo. A lição de
serviço, humildade e amor é testemunhada.
Em primeiro
lugar, devemos sentir este “amor pleno” que nos é doado pelas mãos de Jesus.
Mãos que lavam, acariciam e enxugam, com ternura, os pés de cada um dos
discípulos, de cada um de nós… Em segundo lugar, a ação de Jesus quer ensinar
aos discípulos, e também a nós, que é preciso fazer o mesmo: “Depois de lhes
ter lavado os pés, pôs o manto, reclinou-se e lhes disse: ‘Entendeis o que vos
fiz? Vós me chamais mestre e senhor, e dizeis bem. Portanto, se eu, que sou
mestre e senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos
outros. Eu vos dei o exemplo, para que façais o que eu fiz’” (Jo 13,12-15).
A atitude de
serviço, humildade e expressão de amor, simbolizada no lava-pés, foi uma
preparação para celebrar com mais dignidade a “Ceia”, conforme disse o próprio
Jesus a Pedro: “Se não te lavar, não terás parte comigo”.
Celebrando a
“Ceia” com os Seus amigos, Jesus inaugura a “Nova Páscoa”, isto é, dá um novo
sentido para a “Páscoa” que, em seu contexto histórico, era a maior festa do
ano para os judeus. Mantendo seu ritual como no AT (Ex 12), Israel celebrava a
Páscoa para fazer memória da “antiga libertação do Egito” e atualizar “os
benefícios de Deus” para com os seus filhos.
Na Carta aos
Coríntios, Paulo transmite o novo e definitivo sentido da Páscoa. Afirma o
apóstolo: “O Senhor, na noite em que era entregue, tomou o pão, dando graças o
partiu, e disse: ‘Isto é o meu corpo que se entrega por vós. Fazei isto em
memória de mim’” (I Cor 11,23-24).
No pão
repartido, Jesus entrega Seu Corpo aos discípulos. Trata-se de uma doação
total. No pão está presente o “amor em plenitude”. Este amor que se doa provoca
transformação. Agora não é apenas uma transformação social, mas uma libertação
do pecado, resgate para uma vida nova.
Quando
repartimos o pão na Celebração da Eucaristia, devemos sentir o amor de Jesus
que se doa em plenitude. Amor que alimenta e revigora a nossa vida. Amor que
nos compromete com os irmãos e irmãs. Amor que nos faz ser fiéis à vontade do
Pai.
Jesus pede aos
discípulos: “Fazei isto em memória de mim” (I Cor 11,24b.25b). O pedido de
Jesus aos discípulos estende-se também a todos nós. Portanto, hoje celebramos o
amor presente no pão que se reparte e nos comprometemos em vivê-lo plenamente.
A liturgia da
Quinta-feira Santa é um convite a aprofundar concretamente no mistério da
Paixão de Cristo, já que quem deseja segui-Lo deve sentar-se à Sua mesa e, com
o máximo recolhimento, ser espectador de tudo o que aconteceu na noite em que
iam entregá-Lo. Por outro lado, o mesmo Senhor Jesus nos dá um testemunho
maduro da vocação ao serviço do mundo e da Igreja – que todos nós temos –
quando Ele decide lavar os pés dos seus discípulos.
A Santa Missa
é, então, a celebração da Ceia do Senhor, na qual Jesus, num dia como hoje, na
véspera da Sua Paixão, “enquanto ceiava com Seus discípulos, tomou pão…” . Ele
quis, como em Sua Última Ceia, que nos reuníssemos e recordássemos d’Ele
abençoando o pão e o vinho: “Fazei isto em memória de mim” .
Assim, podemos
afirmar que a Eucaristia é o memorial – não tanto da Última Ceia – mas sim da
Morte, Paixão e Ressurreição de Jesus Cristo, nosso Senhor!
(...)
Hoje,
inicia-se a festa da “crise pascal”, isto é, da luta entre a morte e a vida, já
que a vida nunca foi absorvida pela morte, mas sim combatida por ela. A noite
do Sábado de Glória é o canto à vitória, porém, tingida de sangue. E hoje é o
hino à luta, mas de quem vence, porque sua arma é o amor em plenitude do Deus
Todo-Poderoso.
Padre Bantu Mendonça
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