Celebramos hoje, dia 08 de Dezembro a Imaculada
Conceição de Maria. Por este título a Igreja Católica exalta a condição de
pureza irretocável e de total ausência de pecado da Virgem Maria. Esta festa é
notoriamente nos dias de hoje uma das maiores celebrações da Igreja Católica no
mundo, especialmente nos países latinos. No entanto nem sempre fora assim: por
muito tempo a Igreja não se pronunciou oficialmente a favor desta condição de
Maria; padres, teólogos, leigos e até santos duvidaram e chegaram a combater a
crença na Imaculada Conceição. O clamor popular foi decisivo par que a Igreja
se posicionasse oficialmente sobre o tema. Confira abaixo um breve histórico
deste dogma, adaptado do texto de Monsenhor João Clá Dias.
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A Imaculada Conceição: “Piedosa crença” que se tornou
dogma
Adaptado de Monsenhor João Clá Dias
A Imaculada Conceição da Maria Virgem - singular
privilégio concedido por Deus, desde toda a eternidade, Àquela que seria Mãe de
seu Filho Unigênito - preside a todos os louvores que Lhe rendemos na recitação
de seu Pequeno Ofício. Apresenta-se agora um pequeno histórico da dessa
"piedosa crença" que atravessou os séculos, até encontrar, nas
infalíveis palavras de Pio IX, sua solene definição dogmática.
Onze séculos
de tranquila aceitação da "piedosa crença"
Os mais
antigos Padres da Igreja, sempre expressaram sua crença na absoluta imunidade
do pecado, mesmo o original, concedida à Virgem Maria. Assim, por exemplo, São
Justino, Santo Irineu, Tertuliano, Firmio, São Cirilo de Jerusalém, Santo
Epifânio, Teódoro de Ancira, Sedulio e outros comparam Maria Santíssima com Eva
antes do pecado. Santo Efrém A exalta como tendo sido "sempre, de corpo e
de espírito, íntegra e imaculada". Para Santo Hipólito Ela é um
"tabernáculo isento de toda corrupção". Orígenes A aclama
"imaculada entre imaculadas, nunca afetada pela peçonha da serpente".
Por Santo Ambrósio é Ela declarada "vaso celeste, incorrupta, virgem imune
por graça de toda mancha de pecado". Santo Agostinho afirma, disputando
contra Pelágio, que todos os justos conheceram o pecado, "menos a Santa
Virgem Maria, a qual, pela honra do Senhor, não quero que entre nunca em
questão quando se trate de pecados".
Cedo começou a
Igreja a comemorar em suas funções litúrgicas a imaculada conceição de Maria.
Passaglia, no seu De Inmaculato Deiparae Conceptu, crê que a princípios do
Século V já se celebrava a festa da Conceição de Maria (com o nome de Conceição
de Sant'Ana) no Patriarcado de Jerusalém. O documento fidedigno mais antigo é o
cânon de dita festa, composto por Santo André de Creta, monge do mosteiro de
São Sabas, próximo a Jerusalém, o qual escreveu seus hinos litúrgicos na
segunda metade do século VII.
Tampouco
faltam autorizadíssimos testemunhos dos Padres da Igreja, reunidos em Concílio,
para provar que já no século VII era comum e recebida por tradição a piedosa
crença, isto é, a devoção dos fiéis ao grande privilégio de Maria (Concílio de
Latrão, em 649, e Concílio Constantinopolitano III, em 680).
Em Espanha,
que se gloria de ter recebido com a fé o conhecimento deste mistério,
comemora-se sua festa desde o século VII. Duzentos anos depois, esta solenidade
aparece inscrita nos calendários da Irlanda, sob o título de "Conceição de
Maria".
Também no
século IX era já celebrada em Nápoles e Sicílias, segundo consta do calendário
gravado em mármore e editado por Mazzocchi em 1744.
Em tempos do
Imperador Basílio II (976-1025), a festa da "Conceição de Sant'Ana"
passou a figurar no calendário oficial da Igreja e do Estado, no Império
Bizantino.
No século XI
parece que a comemoração da Imaculada estava estabelecida na Inglaterra, e,
pela mesma época, foi recebida em França. Por uma escritura de doação de Hugo
de Summo, consta que era festejada na Lombardia (Itália) em 1047. Certo é
também que em fins do século XI, ou princípios do XII, celebrava-se em todo o
antigo Reino de Navarra.
Séculos XII-XIII: Oposições
No mesmo
século XII começou a ser combatido, no Ocidente, este grande privilégio de
Maria Santíssima.
Tal oposição
haveria ainda de ser mais acentuada e mais precisa na centúria seguinte, no
período clássico da escolástica. Entre os que puseram em dúvida a Imaculada
Conceição, pela pouca exatidão de idéias à matéria encontram-se doutos e
virtuosos varões, como, por exemplo, São Bernardo, São Boaventura, Santo
Alberto Magno e o angélico São Tomás de Aquino.
Século XIV: Reação a favor do dogma
O século XIV
se inicia com uma grande reação a favor da Imaculada, na qual se destacou, como
um de seus mais ardorosos defensores, o beato espanhol Raimundo Lulio.
Outro defensor
assíduo da Imaculada Conceição foi João Duns Escoto glória da Ordem dos Menores
Franciscanos, o qual, estabeleceu com admirável clareza os sólidos fundamentos
para desfazer as dificuldades que os contrários utilizavam para se opor à
singular prerrogativa mariana. Escoto ainda foi agraciado por um notório evento
em favor da causa da Imaculada Conceição. Viajou de Oxford a Paris, para fazer
triunfar o imaculatismo na Universidade da Sorbonne, em 1308, sustentou uma
pública e solene disputa em favor do privilégio da Virgem. No dia desse grande
ato, Escoto, chegando ao local da discussão, prosternou-se diante de uma imagem
de Nossa Senhora que se encontrava em sua passagem, e lhe dirigiu uma prece. A
Virgem, para mostrar seu contentamento com esta atitude inclinou a cabeça -
postura que, a partir de então, Ela teria conservado...
Depois de
Escoto, e graças aos seus estudos que deixavam os argumentos contrários à
Imaculada Conceição extremamente enfraquecidos, os defensores do futuro dogma
se multiplicaram prodigiosamente. Muitos Franciscanos escreveram em favor à
Imaculada conceição de Maria e acredita-se que estes sejam os responsáveis pela
origem de sua celebração em Portugal, nos primórdios do século XIV.
Séculos XV-XVI: acirradas disputas
Em meados do
século XV, a Imaculada Conceição foi objeto de renhido combate durante o
Concílio de Basiléia, resultando num decreto de definição sem valor dogmático,
posto que este sínodo perdeu a legitimidade ao se desligar do Papa.
Entretanto,
crescia cada dia mais o número das cidades, nações e colégios que celebravam
oficialmente a festa da Imaculada. E com tal fervor, que nas cortes da
Catalunha, reunidas em Barcelona entre 1454 e 1458, decretou-se pena de
perpétuo desterro para quem combatesse o santo privilégio.
O autêntico
Magistério da Igreja não tardou a dar satisfação aos defensores do dogma e da
festa. Pela bula Cum proeexcelsa, de
27 de Fevereiro de 1477, o Papa Sixto IV aprovou a festa da Conceição de Maria,
enriqueceu-a de indulgências semelhantes às festas do Santíssimo Sacramento e
autorizou ofício e missa especial para essa solenidade.
Pelos fins do
século XV, porém, a disputa em torno da Imaculada Conceição de tal maneira
acirrou os ânimos dos contendores, que o mesmo Papa Sixto IV se viu obrigado a
publicar, em data de 4 de setembro de 1483, a Constituição Grave Nimis, proibindo sob pena de excomunhão que os de uma parte
chamassem hereges aos da outra.
Por essa
época, festejavam a Imaculada célebres universidades, como as de Oxford, de
Cambridge e a de Paris, a qual, em 1497, instituiu para todos os seus doutores
o juramento e o voto de defender perpetuamente o mistério da Imaculada
Conceição, excluindo de seus quadros quem não os fizesse. De modo semelhante
procederam as universidades de Colônia (em 1499), de Magúncia (em 1501) e a de
Valência (em 1530).
O Concílio de
Trento (1545-1563) renovou as premissas de Sixto IV: "O sagrado Concílio
declara que não é sua intenção compreender neste decreto, que trata do pecado
original, a Bem-aventurada e imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, mas que devem
observar-se as constituições do Papa Sixto IV, de feliz memória, sob as penas
que nelas se cominam e que este Concílio renova".
Por esse
tempo, começaram a reforçar as fileiras dos defensores da Imaculada Conceição
os teólogos da recém-fundada Companhia de Jesus, entre os quais não se achou um
só de opinião contrária. Aliás, pelos primeiros missionários jesuítas no Brasil
temos notícia de que, já em 1554, celebrava-se o singular privilégio mariano em
nosso País. Além da festa comemorada no dia 8 de Dezembro, capelas, ermidas e
igrejas eram edificadas sob o título de Nossa Senhora da Conceição.
Entretanto, a
piedosa crença ainda suscitava polêmicas, coibidas pela intervenção do Sumo
Pontífice. Assim, em outubro de 1567, São Pio V, condenando uma proposição de
Bayo que afirmava ter morrido Nossa Senhora em conseqüência do pecado herdado
de Adão, proibiu novamente a disputa acerca do augusto privilégio da Virgem.
Séculos XVII e seguintes: consolidação da
"piedosa crença" e o clamor popular em favor da definição dogmática.
No século
XVII, o culto da Imaculada Conceição conquista Portugal inteiro, desde os reis
e os teólogos até os mais humildes filhos do povo. A 9 de Dezembro de 1617, a
Universidade de Coimbra, reunida em claustro pleno, resolve escrever ao Papa
manifestando-lhe a sua crença na imaculabilidade de Maria.
Naquele mesmo
ano, Paulo V, decretou que ninguém se atrevesse a ensinar publicamente que
Maria Santíssima teve pecado original. Semelhante foi a atitude de Gregório XV,
em 1622.
Por essa
época, a Universidade de Granada se obrigou a defender a Imaculada Conceição
com voto de sangue, quer dizer, comprometendo-se a dar a vida e derramar o
sangue, se necessário fosse, na defesa deste mistério. Magnífico exemplo que
foi imitado, sucessivamente, por grande número de cabidos, cidades, reinos e
ordens militares.
A partir do
século XVII também foram se multiplicando as corporações e sociedades, tanto
religiosas como civis, e até mesmo estados, que adotaram por padroeira à Virgem
no mistéiro de sua Imaculada Conceição.
Digna de
particular referência é a iniciativa de D. João IV, Rei de Portugal,
proclamando Nossa Senhora da Conceição padroeira de seus "Reinos e
Senhorios", ao mesmo tempo que jura defendê-La até à morte, segundo se lê
na provisão régia de 25 de março de 1646. A partir deste momento, em homenagem
à sua Imaculada Soberana, nunca mais os reis portugueses puseram a coroa na
cabeça.
A partir do
século XVII imperadores, reis e as cortes dos reinos começaram a pedir com
admirável constância, e com uma insistência de que há poucos exemplos na
História, a declaração dogmática da Imaculada Conceição.
Porém, o ato
mais importante emanado da Santa Sé, no século XVII, em favor da Imaculada
Conceição, foi a bula Sollicitude omnium Ecclesiarum, do Papa Alexandre VII, em
1661. Neste documento, escrito de sua própria mão, o Pontífice renova e
ratifica as constituições em favor de Maria Imaculada, ao mesmo tempo que impõe
gravíssimas penas a quem sustentar e ensinar opinião contrária aos ditos
decretos e constituições.
No pontificado
de Gregório XVI, e nos primeiros anos de Pio IX, elevaram-se à Sé Apostólica
mais de 220 petições de Cardeais, Arcebispos e Bispos (sem contar as dos
cabidos e ordens religiosas) para que se fizesse a definição dogmática.
O triunfo da Imaculada Conceição
Enfim, chegado
era o tempo. Em 2 de fevereorp de 1849, Pio IX, desterrado em Gaeta, escreveu a
todos os Patriarcas Primazes, Arcebispos e Bispos do orbe a Encíclica Ubi
primum, questionando-lhes acerca da devoção de seu clero e de seus povos ao
mistério da Imaculada Conceição, e seu desejo de vê-lo definido.
De um total de
750 Cardeais, Bispos e vigários apostólicos que em seu seio contava então a
Igreja, mais de 600 responderam ao Sumo Pontífice. Levando-se em conta as
dioceses que estariam vacantes, os prelados enfermos e as respostas perdidas,
pode-se dizer que todos atenderam à solicitação do Papa, manifestando
unanimemente que a fé de seu povo era completamente favorável à Imaculada
Conceição, e apenas cinco se diziam duvidosos quanto à oportunidade de uma
declaração dogmática.
Afirmara-se a
crença universal da Igreja. Roma iria falar, a causa estava julgada.
Finalmente em 0
8 de dezembro de 1854 sua Santidade o Papa Pio IX, proclama de forma oficial: "Declaramos
pronunciamos e definimos que a doutrina de que a Bem-aventurada Virgem Maria,
no primeira instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus
Onipotente, em atenção aos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano,
foi preservada imune de toda mancha de culpa original, essa doutrina foi
revelada por Deus, e deve ser, portanto, firme e constantemente crida por todos
os fiéis".
O ano seguinte
pode ser chamado o Ano da Imaculada Conceição: quase todos os dias foram
assinalados por destas em honra da Santíssima Virgem.
Em 1904, São
Pio X celebrou, juntamente com toda a Igreja Universal, com grande solenidade e
regozijo, o cinqüentenário da definição do dogma da Imaculada Conceição.
O Papa Pio
XII, por sua vez, em 1954 comemorou o primeiro centenário dessa gloriosa
verdade de fé, decretanto o Ano Santo Mariano. Celebração esta coroada pela
Encíclica Ad Coeli Reginam, na qual o mesmo Pontífice proclama a soberania da
Santíssima Virgem, e estabelece a festa anual de Nossa Senhora Rainha.
Fontes:
Monsenhor
João Clá Dias
Pequeno Ofício da Imaculada Conceição
Comentado.
Editora
Artpress. São Paulo, 1997, pp. 494 à 502
Arautos
do Evangelho
A Imaculada Conceição: “Piedosa crença” que
se tornou dogma
Disponível
em: http://www.arautos.org/artigo/5220/A-Imaculada-Conceicao---ldquo-Piedosa-crenca-rdquo--que-se-tornou-dogma.html
Acesso
em 08 de Dezembro de 2012.
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